Seminário Sistemático

VisitaPinacoteca2016-1

“O objeto reticente”

VERGO, Peter. The Reticent Object. P. 41/59. In: VERGO, Peter (org). The New Museology. London: Reaction Books, 1989.

Adrienne Firmo e Anna Maria Rahme

 

*Este ensaio foi apresentado na conferência Por que exposições?, no V & A Museum de Londres, em nov. 1987, com patrocínio do Subcomitê de Museus e Galerias da Associação de Historiadores da Arte.

Contextualização:

  1. DESVALLÉES, André e MAIRESSE, François (edt.). Conceitos-chave de Museologia. São Paulo: Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Secretaria do Estado da Cultura, 2013.
  2. DUARTE, Alice. Nova Museologia: os pontapés de saída de uma abordagem ainda inovadora. In: Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio, v.6, n. 1. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2013. P. 99-127.

– CRONOLOGIA DO MOVIMENTO

O artigo Nova Museologia escrito Alice Duarte traça a cronologia da criação do movimento Nova Museologia, “um movimento de larga abrangência teórica e metodológica” responsável pela expansão dos estudos museológicos, com articulação de Museu e Academia, correlacionando perspectivas teórico críticas. (Duarte, 2013, p. 110)

1983: XIII Conferência Geral do ICOM condena as formas não institucionais de museu

1984: Declaração para reconhecimento universal das novas formas museais, pelos membros do ICOFOM, Quebec

1985: Concretização do Mouvement Internationale pour la Nouvelle Museologie – MINOM – com filiação do ICOM, Lisboa

1989: Publicação do livro The New Museology, por Peter Vergo, Londres

Duarte situa a Nova Museologia, não como movimento isolado ou independente, mas como um desenvolvimento natural surgido dos debates e mudanças implantadas

a partir do fim da década de 1960 concretiza-se através da eleição do museu e suas práticas como campo de reflexão teórica e epistemológica. Estes desenvolvimentos cruzam-se, em primeiro lugar, com a emergência de uma nova postura epistemológica a que genericamente é lícito chamar “pós-estruturalista” ou “pós-moderna”. (Duarte, 2013, p. 105)

E desde os anos 1970, quando cresce “a conscientização da necessidade de alargar o espaço representacional do museu”(Duarte, 2013, p. 106), a etnologia – estudo dos objetos por sua voz própria – é introduzida, apartando, mas não por muito tempo, dos museus a antropologia – estudo dos objetos por sua polissemia, dependendo do contexto expositivo e interpretativo. (Duarte, 2013, p. 109). A renovação museológica passa, então por uma nova perspectiva interpretativa, que, nos anos de 1980, será conhecida como Nova Museologia.

 

– INTRODUÇÃO:

O título do texto sugere um estudo sobre a omissão ou simulação do próprio objeto, promovida pelos curadores no contexto da exposição. Nele, Peter Vergo declara estar interessado na “exibição de objetos, artefatos e obras de arte tanto dentro e fora do contexto de museu, sua apresentação pública: em outras palavras,

na realização de exposições” (p. 42). O autor destaca alguns pontos que julga fundamentais para o sucesso ou falha de uma

mostra temporária ou a exposição do Museu reforçando a experiência e tornando-se mais vivas, mais memoráveis, mais duradouras, não em termos de um padrão de ‘objectivo’ imposto de fora, mas de acordo com critérios que a exposição em si e os responsáveis por sua montagem devem propor. A conceber uma melhor metodologia para a definição tais critérios é certamente uma das tarefas mais urgentes da nova museologia. (Vergo, 1989, p.59)

Desde a primeira frase (p. 41): “Museus existem a fim de adquirir, resguardar, conservar e exibir objetos, artefatos e obras de arte de vários tipos”, se comparada aos Conceitos-chave a respeito de Museu como “instituição a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento” distinguindo três funções, a partir de 1980: “a preservação (que compreende aquisição, conservação e gestão das coleções), a pesquisa e a comunicação”. Afirmando, ainda, que “o museu pode ser apreendido como um ‘lugar de memória’ (Nora, 1984-87,Pina, 2003), um fenômeno   (Sheiner, 2007), englobando as instituições, os lugares diversos ou os territórios, as experiências ou mesmo os espaços materiais” (Desvallés e Mairesse, 2013, p.65). Definição que pode ser complementada com as de Vergo: “como novos tipos de museus: museus da imagem em movimento, museus sem paredes, museus – mesmo – sem objetos”

Também, em relação á afirmação de Vergo sobre as coleções dos museus, de que “praticamente todos os museus estão preocupados em uma forma ou outra com a exibição de suas coleções – ou talvez um deve dizer com mais precisão, de parte de suas coleções” (p.42) papel que está previsto nas Normas do Código de Ética do ICOM, 2006, seja ela uma coleção material ou imaterial : “A missão de um museu é de adquirir, preservar e valorizar suas coleções com o objetivo de contribuir para a salvaguarda do patrimônio natural, cultural e científico”. (Desvallés e Mairesse, 2013, p.42)

 

Peter Vergo passa, em seguida, a examinar questões sobre a “aceitação de exposições como um fato de vida cultural”; “os meios e recursos criados”; “as circunstâncias ou razões” para sua criação; quais as “tipologias escolhidas pelas instituições privadas”; o que determina as “escolhas dos programas” e a “seleção de determinados mteriais no contexto de uma dada exposição”. Propõe, então examinar as relações entre

a instituição e seus curadores, seus financiadores e patrocinadores; entre o Museu (ou galeria) e seu público; entre o público e os objetos em exposição; entre o pessoal de conservação e curadores, por um lado, e importados (refiro-me especialmente encomendadas) curadores (por vezes referido como ‘curadores convidados’ – geralmente estudiosos ou especialistas em algum campo particular) do outro; entre o declarado ou condições tácitas do instutition e as ambições e entusiasmos individuais do estudioso ou curador ou designer. (Vergo, 1989, p. 44)

Aponta que a realização de uma exposição deve passar por sua adequação da proposta a um “contexto ou estrutura de um programa contínuo”. Decisões que serão afetadas pelas “considerações políticas ou financeiras ou curatoriais e, que por sua vez, terá um efeito de ‘Knock-on’ em influenciar o carácter específico e o conteúdo da exposição”. (p. 45)

 

– CONTEXTUALIZAÇÃO DO OBJETO

O ‘contexto’ da exposição confere-lhes um ‘significado’ para além de qualquer entendimento que já possuem como artefatos culturais ou objetos de contemplação estética. Ao serem incorporadas a uma exposição, tornam-se não apenas obras de arte ou símbolos de uma certa cultura ou sociedade, mas elementos de uma narrativa, formando parte de um segmento de discurso que é em si um elemento em uma rede mais complexa de significados. (Vergo, 1989, p. 46)

 

Conceito-chave:

“a ‘comunicação’ “do objeto e dos fenômenos observáveis” faz parte de um sistema de comunicações não verbais , que pode se utilizar de diferentes técnicas para tornar o visitante mais ativo. Porém, constata que a comunicação interativa é rara, mesmo quanto se aplicam alguns métodos sugeridos, como a remoção das legendas ou contextos narrativos para que o público construa sua própria “lógica de percurso” ou até a implementação de “atrações com caráter lúdico”.

Com certeza, a implementação de um sistema de comunicação eficiente “não pode prescindir da colaboração de pesquisadores sérios”, da publicação de um “catálogo contendo, além das notas detalhadas sobre a exposição, uma sucessão de ensaios sobre vários aspectos do assunto” e até mesmo, “introdução geral explicando o planejamento da exposição e a configuração cenográfica total”. (Vergo, 1989, p. 46/47)

 

EXPOSIÇÃO E OBJETIVOS EDUCACIONAIS

Como esse objectivo é melhor conseguido? Pelo nível de informação ou explicação adequada ou desejável no contexto de uma determinada exposição.

Conceitos-chave –

A educação museal pode ser entendida como um conjunto de valores, de conceitos, de saberes e de práticas que têm como fim o desenvolvimento do visitante; …apoia-se notadamente sobre a pedagogia, o desenvolvimento, o florecimento e a aprendizagem de novos saberes. (Desvallés e Mairesse, 2013, p. 38)

Para a transmissão: animação / ação cultural / mediação

A aprendizagem é definida como “um ato de percepção, de interação e de integração de um objeto por um sujeito” o que conduz a uma “aquisição de conhecimentos ou o desenvolvimento de habilidades ou atitude. (Allard e Boucher, 1998, p.39)

 

– SOBRE A “ELOQUÊNCIA” DOS OBJETOS E SUA RECEPÇÃO

Deixando a obra de arte falar por si, invariavelmente, eles falam muito pouco; e um esforço por vezes é necessário por parte do historiador, o historiador de arte, o crítico ou o visualizador (fruidor?) para persuadi-los. Mais séria ainda, a visão estética assume que nossa percepção visual é um processo de alguma forma coerente, objetivo, como se tudo o que é necessário é ‘ver corretamente’, sem se dar conta de quão complicado e problemático é o processo de ‘ver’, nem como é fácil de interpretar erroneamente os tipos mais elementares da experiência visual. (Vergo, 1989, p. 49)

 

PÚBLICO-ALVO / NÚMERO DE VISITANTES

Uma causa evidente de nossas dificuldades, na minha opinião, é o fato de que a maioria curadores pensam muito sobre o conteúdo e apresentação de sua exposição e muito pouco sobre seu público-alvo. Embora tenha havido inúmeros inquéritos sobre os números de visitantes exposições e museus, incluindo a identificação de suas origens sociais, muito pouco tem sido feito para determinar o conjunto mental, ou mesmo o expectativas, de público. (Vergo, 1989, p. 52)

Conceito-chave:

Público como adjetivo: traduz relação jurídica entreo museu e o povo do território sobre o qual ele se situa – o que caracteriza o museu público (p.86)

Público como substantivo: designa o conjunto de usuários do museu (p. 87), mas também é o conjunto da população para a qual se dirige.

A partir dos anos 1980: “virada em direção aos públicos” da ação museal, para mostrar a importância crescente da frequência e da tomada de consciência das necessidades e anseios dos visitantes. (p.88)

… na questão dos museus comunitários ou ecomuseus, o público é entendido como toda a população no qual eles se inscrevem. A população é o suporte do território e, no caso do ecomuseu, ela se torna o principal ator e não apenas o alvo do estabelecimento. (Desvallés e Mairesse, 2013, p. 88)

 

SOBRE A INFORMAÇÃO, LITERÁRIA OU NÃO, DAS EXPOSIÇÕES

Em uma exposição realizada na Áustria em 1984, dedicada à vida e os tempos do Imperador Franz Joseph, um dos quartos incluindo material relativo à família Imperial …incluindo uma árvore genealógica belamente impressa, com retratos dos principais membros da casa de Habsburgo. Há um certo número desses tipos de material predominantemente não-verbal que se pode usar, que vão desde mapas e diagramas, os acontecimentos de vida, ilustrações e fotografias, slides e filmes mostrando, por exemplo, um instrumento em uso, ao contrário de uma vitrine, ou as técnicas empregadas na criação dos objetos ou obras de arte na mostra. (Vergo, 1989, p. 52)

 

…entre as pinturas exibidas na exposição ‘Sonhos de uma Noite de Verão’ …pelo artista finlandês Akseli Gallen-Kallela, preferiu diferenciar seu trabalho pela influência simbolista e evidentemente o produto de um intenso interesse na arte popular finlandesa. Quão fácil seria justapor estas pinturas com, talvez, apenas um tipo de traje mostrado anteriormente na Exposição do Museu da Humanidade, ‘Folk Costumes of Finnish Karelia’. Vivas e atraentes em si mesmo, facilmente disponível, proporcionando um óbvio ponto de comparação com algumas peças do vestuário representado nas pinturas, o traje teria ajudado incomensuravelmente a compreensão do espectador curioso e não-especialista, por proporcionar um simples ponto de referência visual. Bastaria uma legenda de duas linhas… (Vergo, 1989, p. 53-4)

Neste caso, as obras exibidas na verdade teriam ‘falado por si mesmas”

o objeto reticente persuadido pela primeira vez em loquacidade pelo

esforços do selecionador e do designer.

…material criado pelo designer, tal como como a seleção atualizada de objetos, que ‘conta a história’ e traça a ‘narrativa’ em seus menores detalhes: a escolha das etiquetas da mostra, de materiais e cores para revestimentos de parede, o projeto do catálogo, do cartaz, anúncios relacionados e material publicitário. (Vergo, 1989, p. 54)

E, também, “porque, claro, há algumas histórias possíveis para serem contadas, dependendo da natureza não apenas do material, mas também sobre os objectivos específicos e as ambições dos organizadores”.

…podemos examinar o conteúdo do notória exposição ‘Arte degenerada’ organizada pelos nazistas e mostrado em Munique e outras cidades alemãs durante o curso de 1937-8, com algumas das melhores pinturas estrangeiras e alemã do século XX, incluindo o trabalho de praticamente todos os principais expressionistas: Nolde, Heckel, Schmidt-Rottluff, Pechstein. (Vergo, 1989, p. 54)

Não só o título dado à exposição foi uma referência específica à ‘demolição   dos valores artísticos’: o cartaz justapondo sem mais comentários, também, uma máscara, como uma cabeça ‘expressionista’, imediatamente atrás, um sombrio mas inconfundivel semblante semita, em ligeiro soslaio. Mesmo o layout da exposição, a divisão do material por seção, ambos deliberadamente didáticos e temáticos. Os trabalhos foram dispostos, não cronologicamente, nem pelo artista, pela escola ou por qualquer princípio de arte-histórico conhecido. Em vez disso, pinturas de artistas diferentes foram agrupadas de acordo com ‘tendências’ definidas nos termos dos organizadores em perversa crença política e estética: a distorção intencional de cor e forma, o enfraquecimento de credos religiosos, incitação de anarquia política e a ‘luta de classes’, uma seção que comparou o trabalho dos ‘degenerados’ aos ‘idiotas e cretinos’, e uma última seção intitulada ‘Loucura Absoluta’, que compreende um levantamento da maioria dos principais movimentos ‘modernos’, do Dadaísmo e o Construtivismo ao Surrealismo. (Vergo, 1989, p. 55)

Mas tal como as nossas exposições com finalidade educativa ou didática levam a decisões, tais subjacentes atitudes e pressupostos permanecem uma fala, uma articulação, não menos importante, porque provavelmente pensamos pouco sobre eles, dependendo de ‘indicadores de desempenho’, tais como os números de visitantes, o caixa e a extensão do patrocínio comercial para calcular o sucesso das exposições. (Vergo, 1989, p. 55)

 

…eu tenho usado repetidamente as palavras ‘educativas’, ‘instrutivas’ ou ‘didáticas’ para descrever os objectivos da curadoria; para que o freqüentador de exposições ou crítico alegue: ‘Por que educação?‘.

(Vergo, 1989, p. 58)

…Paul Greenhalgh …no estudo das Grandes Exposições, Expositions Universais e Feiras Mundiais tiveram característica persistente da vida cultural e política durante a última metade do século XIX e os primeiros anos do Século XX, enquanto setores da educação e setores mais amplos da população mantiveram o significativo objetivo da construção de tal exposição no período em questão, no entretenimento em geral verificou-se um ganho, quanto a educação não; e que a combinação certa de instrução e diversão foi um problema duradouro e intratável para os Vitorianos e Eduardianos como é para nós mesmos. (Vergo, 1989, p. 55)

Ainda, em outro nível, pode-se igualmente alegar que, não importa qual pode ser o objectivo dos organizadores, todas as exposições – mesmo aquelas concebidas principalmente como entretenimento – são educativas, no sentido mais amplo e mais profundo. (Vergo, 1989, p. 58-59)

 

 

– EXPOSIÇÃO TEMPORÁRIA OU DO MUSEU:

representa uma ampliação de nossos horizontes intelectuais, um aprofundamento e enriquecimento de nossa experiência e, consequentemente, da nossa educação. …irá ter sucesso ou falhar reforçando a experiência e tornando-se mais vivas, mais memoráveis, mais duradouras, não em termos de um padrão de ‘objectivo’ imposto de fora, mas de acordo com critérios que a exposição em si e os responsáveis por sua montagem devem propor. A conceber uma melhor metodologia para a definição de tais critérios, é certamente uma das tarefas mais urgentes da nova museologia. (Vergo, 1989, p. 55)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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OsFilhosdoBarroVerde

“Os Filhos do Barro: do romantismo à vanguarda”

PAZ, Octavio. Os Filhos do Barro: do romantismo à vanguarda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984

19 de outubro 2015

Amanda Ruggiero e Anna Maria Rahme

 

Cap. I: A tradição da ruptura

Evidenciando as contradições entre transmissão ou continuidade do passado e ruptura ou destruição do vínculo que nos une ao mesmo passado, Octavio Paz analisa o paradoxismo do tema Tradição Moderna.

Afirma a possibilidade da crítica, exaltando a transformação pela pluralidade do Moderno.

  1. 18: “O Moderno não é caracterizado unicamente por sua novidade, mas por sua heterogeneidade”.

Mudança do tempo linear e irreversível – herança judaico-cristã – para um tempo dialético e célere.

  1. 20: “O novo nos seduz, não pela novidade, mas sim por ser diferente, e o diferente é a negação, a faca que divide o tempo em dois: antes e agora”.
  2. 23: “Aceleração é fusão: todos os tempos e todos os espaços confluem em um aqui e agora”.

O Passado como arquétipo se faz presente pelos ritos e festas. O rito suprime as diferenças entre passado e presente: triunfo da regularidade e da identidade.

 

Cap. II: A revolta do futuro

O autor fala da dicotomia entre desenvolvimento e subdesenvolvimento (termo apenas burocrático) e seu pretexto para a segregação das culturas.

Tempo:

  1. 42: “… como um contínuo transcorrer, um perpétuo andar para o futuro; se o futuro se fecha, o tempo se detém”.

A perpétua possibilidade de ser Moderno se inaugura quando o homem “abre as portas do futuro” fazendo reinar o presente.

Enquanto o Oriente decreta a morte da Filosofia, o Ocidente decreta a morte de Deus e afirma a alteridade do ser. A Verdade não como um fim, mas como o processo fundamentado pela Razão Crítica.

Modernidade como cisão: separação da tradição cristã e afirmação do processo crítico. Portanto, é Revolução: termo que indica a evolução natural ligada ao tempo cíclico, pelas interferências críticas.

 

Cap. III: Os filhos do barro

Poesia moderna – intersecção entre poder divino e liberdade humana; nos preserva do caos primordial; exalta a mulher como sujeito erótico e não como objeto.

Mito da orfandade universal: Deus é o Pai (criador) que dá a alma a Adão (criatura), mas não está no altar de Cristo (vítima).

  1. 74: “…o mito está vazio, é um jogo de reflexos na consciência solitária do poeta; não há ninguém no altar, sequer essa vítima que é Cristo. Angústia e ironia: diante do tempo futuro da razão crítica e da revolução, a poesia afirma o tempo sem datas da sensibilidade e da imaginação, o tempo original; diante da eternidade cristã, afirma a morte de Deus, a queda na contingência e a pluralidade de deuses e mitos”.
  2. 76: Kant:a imaginação é o poder fundamental da alma humana e o que serve a priori de princípio a todo conhecimento. Através desse poder, ligamos, por uma parte, a diversidade da intuição e, por outra a condição necessária da intuição pura”. Coleridge:imaginação …faculdade que transforma as ideias em símbolos e os símbolos em presenças”.
  3. 77: William Blake: “O mundo de imaginação é o mundo da eternidade, enquanto o mundo da geração é finito e temporal”. Segundo Paz, Blake “engendra as contradições da primeira geração romântica”
  4. 79: Analogia: Verdadeira religião na poesia moderna, do romantismo ao surrealismo. Crença na “correspondência entre os seres e os mundos é anterior ao cristianismo, atravessa a Idade Média e, através dos neoplatônicos, dos iluministas e dos ocultistas, chega até o século XIX”.

Poesia: é construída de ritmos e é palavra sem datas.

 

 

 

Cap. IV: Analogia e ironia

Analogia entre magia e poesia – séculos XIX e XX – estética ativa que nasce com o romantismo alemão.

A Arte deixa de ser somente representação e contemplação.

  1. 84: “A preeminência do romantismo alemão e inglês provém …sobretudo de sua penetração crítica, de sua grande originalidade poética”.
  2. 89: Alemães e ingleses ressuscitam a visão analógica do mundo do homem ao desenterrar ritmos poéticos – por uma ruptura da estética greco-romana e por sua dependência espiritual do protestantismo.

Baudelaire: universo como linguagem em contínuo movimento.

O mundo como um texto em movimento.

  1. 98: Mundo como conjunto de “signos: o que denominamos coisas são palavras”. {…} “O mundo é a metáfora de uma metáfora”.
  2. 99: “…analogia é a operação, por intermédio da qual, graças ao jogo das semelhanças, aceitamos as diferenças”.

Crítica está na origem da poética da analogia.

Morte: conceito de finitude do homem, aparece na estética romântica e simbolista. Embora pertença ao tempo linear, é uma “exceção que absorve todas as outras e anula as regras e as leis”. Recurso: o duplo ironia – analogia.

  1. 100: Ironia: estética do grotesco, o bizarro, o único e Analogia: a estética da correspondência. São, portanto, conceitos “irreconciliáveis”.

Ironia – “filha do tempo linear, sucessivo e irrepetível”

Analogia – “manifestação do tempo cíclico: o futuro está no passado e ambos estão no presente”.

 

Cap. V: Tradução e metáfora

  1. 115: Paz aponta para uma “utilidade prática: cura psicológica, como a psicanálise é uma ação política”, da crítica filosófica na América Espanhola, como “crítica das mitologias históricas e políticas”.

Modernismo: para o movimento poético hispano-americano. Estado de espírito, resposta da imaginação e da sensibilidade ao positivismo.

Modernism: para o movimento poético anglo-americano do séc. XX

p.119: Rubén Dario: “Graças à modernidade, a beleza não é una, mas plural”.

Ritmo poético: fusão entre o sensível e o compreensível.

Vanguarda: o que vem depois do Modernismo.

p.130: “…o universo fala melhor do que o homem”.

Analogia e Ironia. Amor e Morte. Razão e Sensibilidade

 

Cap. VI: O ocaso da Vanguarda

  1. Revolução, Eros e Metaironia

Tradição romântica > tradição da ruptura.

Romantismo e Vanguarda: ambos os movimentos são “rebeliões contra a razão, suas construções e seus valores”. Ambos unem vida e arte, tentativa de destruir a realidade visível para achar ou inventar outra.

p.134: “A Vanguarda é uma ruptura e com ela se encerra a tradição da ruptura”.

Revolução e poesia na Rússia

Revolução e religião

p.140: Poetas séc. XX e o tempo: “Como seus predecessores românticos e simbolistas, …opuseram ao tempo linear do progresso e da história o tempo instantâneo do erotismo, o tempo cíclico da analogia ou o tempo oco da consciência”.

  1. 142: Marcel Duchamp: O grande vidro

Metaironia: mais além da afirmação e da negação. “…liberação moral e estética, que põe em comunicação os opostos”.

Poema: Ato e não-ato / Lugar e não-lugar / momento é tempo único (este)

  1. O outro lado do desenho

Vanguarda: p.145: “A violência das atitudes e dos programas, o radicalismo das obras”

p.146: “Intensificação da estética de mudança inaugurada pelo romantismo”

– Aceleração e multiplicação (mudanças de um mesmo artista e não por época). Sucessão de rupturas e manifestações.

– Cosmopolitas e poliglotas

– Caráter transnacional

Tempo: p.154: “Pela porta da sensação entrou o tempo; mas foi um tempo de dispersão e sucessivo: o instante”.

Estética futurista / Congelamento do tempo / Petrificação (abolição do movimento)

  1. O ponto de convergência

Modernidade: Tempo de crítica > Mudanças > Progresso

p.189: “Diante da história e suas mudanças, postulou o tempo sem tempo da origem, o instante ou o ciclo; diante de sua própria tradição”.

p.190: As negações da Arte Moderna “são repetições rituais: a rebeldia convertida em procedimento, a crítica em retórica, a transgressão em cerimônia”.

  1. 192: Marxismo: discurso racional – “foi provavelmente a expressão mais coerente e ousada da concepção da história como um processo linear progressivo”.

– História como texto produtor de textos

– História plural: a pluralidade de passados torna plausível a pluralidade de futuros.

– Ciência e técnica (x indústria): na produção de conhecimentos produtivos (e não objetos de consumo)

p.194: “…o capitalismo tratou os homens como máquinas; a sociedade pós-industrial os trata como signos”.

Marxismo: universalização dos homens pela dissolução das classes

Distinção entre: Revolução / Revolta / Rebelião

Rebelião como ruptura do tempo linear: “…o agora como centro de convergência dos tempos.

Passado e futuro são presente

p.198: “O agora reconcilia-nos com nossa realidade: somos mortais”.

p.199: “…no formigueiro anulam-se as diferenças”.

Dada: nem seleção, nem eleição do objeto, mas a dissolução do reconhecimento do objeto industrial numa crítica da arte como objeto.

p.200: “A obra de arte não é um fim em si nem tem existência própria: a obra é uma ponta, uma mediação”

Artista (o que escreve) e fruidor (o que lê)

Recepção: Nenhuma leitura é definitiva

Obra única: cada obra é uma só

p.202: “Não há poema em si, mas em mim, ou em ti”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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MAMSulfer2

“Observações sobre o 34º Panorama da Arte Brasileira – Da pedra, da terra, daqui. Museu de Arte Moderna de São Paulo, à luz de Walter Benjamin e Hal Foster” 

10 de Novembro de 2015

Adrienne Firmo

Com a finalidade de aliar os estudos teóricos às investigações e análises acerca do ambiente museal e expositivo contemporâneo, o seminário promoveu a discussão acerca do 34º Panorama da Arte Brasileira – Da pedra, da terra, daqui, a partir da leitura dos textos “O autor como produtor”, de Walter Benjamin, e “O artista como etnógrafo”, de Hal Foster, considerando as escolhas curatoriais bem como seus textos oficiais, depoimentos dos curadores e repercussão na mídia impressa.

O Panorama

O Panorama da Arte Brasileira, desde sua primeira edição em 1969, é considerado uma das mais significativas mostras da produção artística coetânea, constituindo-se, ao longo dos anos, muito mais como um espaço de discussão sobre amplos aspectos do ambiente artístico, expositivo e museal que simples levantamento da arte do período.

Mantendo a tradição analítica desse conjunto de exposições, Da pedra, da terra, daqui, propôs-se como questionamento da brasilidade por meio do rompimento com a visão histórica e etnocultural da produção artística, realizado pela mobilização da arte contemporânea por peças líticas, supostamente ignoradas, produzidas por povos sambaquieiros da costa brasileira entre 4.000 e 1.000 a.C., consideradas como portadoras de mistérios e enigmas. O Panorama propôs, dessa forma, uma investigação telúrica oriunda de tais objetos extraídos, de acordo com os curadores, do inconsciente de um Brasil intemporal e sem fronteiras definidas, colocando em curso o diálogo entre formas, lugares e tempos diversos, escolhendo, portanto, no lugar do novo e de futuro incerto, voltar-se para um passado irrevelado.

Fundamentos teóricos

Walter Benjamin em “O autor como produtor” trata da autonomia artística, que encontraria seu fim na obediência a tendências, determinadas, segundo o autor, por questões de interesse ou luta de classe, só podendo ser ultrapassas pelo artista produtor quando este deixa de apenas se posicionar quanto às relações de produção para se perguntar como ele mesmo se situa dentro dessas relações, que seria a pergunta pela função exercida pela obra no interior das relações literárias de produção de uma época a partir da técnica da obra.

Hal Foster, por sua vez, identifica a ascendência da etnografia sobre a produção artística e a tendência desta a voltar-se para políticas culturais de alteridade. Destaca pressupostos do modelo do artista produtor que ainda persistem, como as relações entre as transformações políticas e artísticas, que são transferidas, da área da economia para a da identidade cultural, que será o lugar a partir do qual a cultura dominante será transformada. Identifica o deslocamento da substituição da arte pela política para a da política pela teoria etnológica. Se nos inícios do século XX o outro social está no proletariado, na passagem do milênio, estaria no outro cultural.

A suposição do artista como aquele que detém acesso à alteridade, estaria aliada a uma fantasia primitivista de que este outro acessado detém um psiquismo primário desafiador das convenções repressoras e situa-se num lugar privilegiado de verdade política, desviando a política do aqui agora para este outro transcendental. Operando aquilo que chama de teatro de reflexões e projeções, uma vez que a própria antropologia funda-se no mito de mútua projeção de espaço e tempo, ao conformar o além em outrora e o mais remoto no mais primitivo.

Se o artista, tornado etnógrafo, é o exemplo da reflexividade formal, por ser um leitor consciente da cultura como texto, torna-se também o reflexo do ego ideal do antropólogo e sua reconstrução como intérprete, chegando à reconstrução do outro cultural também como reflexo do antropólogo, crítico ou historiador, na projeção tanto textualista como na esteticista, levando, assim, à ideologia do texto e à recodificação da prática como discurso. Antropólogos desejam explorar o modelo textual, artistas e críticos anseiam ao trabalho de campo em que teoria e prática pareçam conciliadas.

Tal discurso fendido permitiria resolver esses modelos contraditórios magicamente: no disfarce do semiólogo cultural e do pesquisador de campo contextual, que seriam a continuação e condenação da teoria crítica; e na relativização e recentramento do sujeito. Para Foster, este intercâmbio e teatro de projeções e reflexões dá lugar a dois problemas, um metodológico e outro ético. A dúvida de que se os estudos culturais e história imiscuídos no modelo único etnográfico podem ser de fato interdisciplinares. E se a projeção de uma prática ideal sobre o campo do outro, solicitado a refleti-la como se fosse ela autenticamente autóctone é politicamente inovadora.

Questões levantadas em discussão

A partir do estudo dos textos citados foi colocada a pergunta sobre o significado do Panorama da Arte Brasileira em sua edição de 2015 por optar em dinamizar a arte atual a partir da produção de um passado remoto e misterioso. Por um lado, coloca-se a averiguação sobre a expansão da esfera curatorial, que passou a abranger outras áreas de saber e cultura que vão muito além da esfera artística. Para Claude Lévi Strauss, pretender reconstruir um passado do qual se é impotente para atingir a história é o drama da etnologia. No caso da mostra, este não cabe apenas aos etnólogos ou aos artistas, conforme notado por Hal Foster, mas à curadoria e/ou da instituição, transferindo, assim, a tendência à busca e acesso à alteridade para a esfera ainda mais textual e teórica que artística, à curatorial.

Por outro, respostas podem ser buscadas nos limites da linguagem. Se a arte atual, tão refratária a categorizações e léxico compartilhado, exige para si mesma uma vivência imediata e intraduzível, pode conduzir ao mutismo transcendente proposto por Luigi Witgenstein no Tratatus Lógico Filosóficus, da máxima do sobre o que não se pode falar, deve-se calar, recorrer a um passado tão remoto quanto desconhecido, pode conduzir à experiência mística, tal qual definida em sua raiz grega, que seria o fechar olhos e boca para se adentrar um mistério.

Ambas as hipóteses, no entanto, encontram-se numa encruzilhada paradoxal, de maneira semelhante aos problemas medológicos e éticos colocados por Hal Foster acerca dos espelhamentos entre antropologia, etnologia e arte, ou seja, problemas metodológicos e éticos. A curadoria contemporânea, por um lado, coloca-se como produtora de conhecimento acerca não só da arte, mas também de outros aspectos da cultura e da vivência político-social, ao mesmo tempo, em que, por outro, prescinde de uma estrutura linguística, legando a arte à experiência inexplicável e inexprimível. Reconduzindo, assim, à pergunta benjaminiana sobre a função exercida pela obra artística, no caso, exposições, no interior das relações de produção de uma época.

Bibliografia

Textos teóricos

BENJAMIN, Walter Benjamin. “O autor como produtor”, in Obras escolhidas, vol. 1 – Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 196, pp. 120-36.

FOSTER, Hal Foster. “O artista como etnógrafo”, in O retorno do real. São Paulo: Cosac Naify, 2014, pp. 159-86.

Textos institucionais

34º Panorama da Arte Brasileira – Museu de Arte Moderna de Sã o Paulo– Da pedra, da terra, daqui (curadoria Aracy Amaral; curadoria adjunta Paulo Miyada; consultoria André Prous). Textos e depoimentos institucionais: “Da pedra, da terra, daqui” e “Dois tempos, uma exposição”, in Livreto Moderno MAM – Especial Panorama; texto de parede e no sit, vídeo institucional; áudio-guia.

Mídia impressa

FORTUNA, Maria. Entrevista com Aracy Amaral, in O Globo, 13.09.14.

GONÇALVES FILHO, Antonio. “MAM faz de seu Panorma uma prova de qua a arte é atemporal”, in O Estado de S. Paulo, 16.09.15.

­­­_______________. “O arcaico é o moderno no 34º Panorama da Arte Brasileira do MAM”, in O Estado de S. Paulo, 13.10.15.

MARTÍ, Silas. “Radical, Panorama da Arte Brasileira do MAM terá só seis artistas”, n Folha de São Paulo, 11.02.15.

MOLINA, Camila. “Berna Reale fala do tema da violência em suas obras para o 34º Panorama do MAM”, in O Estado de S. Paulo, 13.10.15.

Seminário Sistemático

VisitaPinacoteca2016-4PEQ

Diferenciação e duração – da filosofia à cultura”

12 de Fevereiro de 2015

Adrienne de Oliveira Firmo

 

Ao se tratar do patrimônio cultural é comum deparar-se com questões referentes a permanências, continuidades e desdobramentos, uma vez que se está falando daquilo que se conserva e coexiste, portanto, de tempo, duração e memória, conceitos seminais da filosofia de Henri Bergson, revisitados por Gilles Deleuze ao enfatizar os conceitos de diferença e duração, fundamentais para a compreensão de tempo e úteis para o entendimento das durações e diferenciações no âmbito da cultura. Dessa forma, o seminário teve como finalidade investigar os conceitos de duração e diferenciação uma vez que mostraram-se intensificadores de questionamentos pertinentes às pesquisas do grupo de estudos.

 

Diferenciação e duração

Para que se conheça o vir a ser de cada coisa, Bergson propõe a intuição[1] como método, pois desvencilharia os dados da experiência das construções e linguagem cotidianas, para que surjam como aquilo que de fato são: dados imediatos, pura qualidade, heterogeneidade e mutação contínua.[2] Sua eficiência adviria da aplicação de regras que orientem a colocação de problemas, a identificação das diferenças de natureza e a solução dos problemas em função do tempo.

Colocar um problema diz respeito a como por questões de veracidade e falsidade e à possibilidade de construir os próprios problemas, bem apresentá-los, inventá-los e criar seus termos.[3] Enquanto que identificar diferenças de natureza permite o discernimento entre aquelas de grau, quantitativas; e de natureza, que determinam o que a coisa é em si mesma.[4]

A percepção coloca o sujeito de súbito na matéria, mas é necessário ultrapassá-la para que se conheça a coisa mesma, em sua diferenciação e duração. Então, a memória atuaria aí, ligando passado e presente e permitindo que algo não seja apenas instantaneidade, mas que dure no tempo. Para que se compreenda e represente aquilo que dura e aquilo que se diferencia de um objeto a outro, requer-se, então, a combinação da percepção do dado material mais a memória, dado temporal.

Solucionar os problemas em função do tempo é supor sua duração ou sua permanência. Para ilustrar as inúmeras diferenças, Bergson apresenta o torrão de açúcar, apreendido como uma diferença de grau em relação a qualquer outra coisa, mas que possui uma maneira de ser no tempo, duração, revelada no processo de sua dissolução, diferindo não só de outras coisas, mas, sobretudo, de si mesmo.

O método intuitivo serve às análises sobre patrimônio cultural ao considerar seus objetos como heterogeneidades em mutação contínua, a fim de que sejam verificadas suas diferenças internas, que os desprendem da homogeneidade e materialidade do utilitário, lançando-os na ação de sua diferenciação e duração, rastreando, ainda, a performação daquilo que neles dura e se diferencia. Abordar o fato cultural sob tal ótica é submetê-lo a uma investigação norteada por seus procedimentos e recursos próprios, as tendências que convergem naquele fato mesmo e como tais inclinações duram, atuam, performam ou se diferenciam em outros fatos culturais.

 

Atualização e dramatização

Diferenciação não é algo estabelecido, mas, em processo. É a colocação em andamento no real daquilo existente em outra instância, ou seja, de um virtual, de maneira que ambos coexistem e se conduzem constantemente de um a outro, num processo de passagem do virtual ao atual, que Deleuze chama de atualização, o responsável pela singularização e multiplicidade dos entes.

É necessário diferenciar o par “virtual-atual” do “possível versus real”, em que o possível pode vir a ser, mas nada muda nele no processo de realização; e do potencial versus atual, em que o processo é de atualização, havendo relação direta entre ambos. Para que a atualização não seja só a culminação de uma potencialidade determinada, é preciso que ela se torne dramatização, que uma diferença se acrescente ao evento atual – que não advenha de uma essência, mas, de um círculo problemático, como no caso em que a semente não é o poder vir a ser árvore ou a árvore não é a realização do vir a ser da semente, mas virar árvore é um dos problemas da semente.

No caso de um objeto cultural, pode ele ser considerado como lugar da performação, espaço dramático, que acontece de modo problematizante de si, de sua esfera e do mundo. É certo que não surge de pronto, como é certo que não se esgota em si mesmo, advém carregado de ânsias que se diferenciaram em tentativas, propostas e questionamentos em diversos momentos históricos e culturais, sendo possível presumir que duram em performação.

 

Bibliografia

BERGSON, Henri. Matière et mémoire: essai sur la relation du corps à l’esprit. Paris: Quadrige/Presses Universitaires de France, s.d. [Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito (trad. Paulo Neves). São Paulo: Martins Fontes, 1999].

DELEUZE. Gilles. Le bersonisme. Paris: Quadrige/Presses Universitaires de France, 1966 [Bergsonismo (trad. Luiz B. L. Orlandi). São Paulo: Editora 34, 1999].

_______________. “O atual e o virtual”, in Éric Alliez. Deleuze filosofia virtual. (trad. Heloísa B.S. Rocha). São Paulo: Editora34, 1996, p. 47-57.

­­_____________. “Bergson, 1859-1941 (trad. Lia de Guarino), in LAPUJADE, David (org.) / ORLANDI, Luiz B. L. (org. da eb. Brasileira). A ilha deserta. São Paulo: Iluminuras, 2010, pp. 33-46.

_____________. “A concepção da diferença em Bergson” (trad. Lia Guarino; Fernando Fagundes Ribeiro), in LAPUJADE, David (org.) / ORLANDI, Luiz B. L. (org. da eb. Brasileira). A ilha deserta. São Paulo: Iluminuras, 2010, pp. 47-72.

_____________. “O método de dramatização” (trad. Luiz B. L. Orlandi), in in LAPUJADE, David (org.) / ORLANDI, Luiz B. L. (org. da eb. Brasileira). A ilha deserta. São Paulo: Iluminuras, 2010, pp. 129-54.

KOBOL FORNAZARI, Sandra.“O bergsonismo de Gilles Deleuze”, in, revista Trans/Form/Ação, 27 (2), 2004, pp. 31-50.

 

[1] Conforme a explicação de Gilles Deleuze, a intuição, que é o método do bergsonismo, “não é um sentimento nem uma inspiração, uma simpatia confusa, mas um método elaborado, e mesmo um dos mais elaborados métodos da filosofia. Ele tem suas regras estritas, que constituem o que Bergson chama de precisão em filosofia (DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. São Paulo: Editora 34, 1999, p. 7; grifo do autor).

[2] A apresentação de aspectos de uma filosofia da diferença, conforme concebida por Bergson e retomada por Deleuze, tem, neste ponto, a intenção de aplicar elementos metodológicos e conceituais às análises de objetos/produtos da cultura, considerados aqui como as demais coisas (objetos, indivíduos, fatos), como puras qualidades, em sua heterogeneidade e transformação constantes.

[3] O problema, se bem apresentado, encerraria em si já sua solução, que viria dos termos, de sua disposição e das condições em que é engendrado; é a aplicação do critério de veracidade e falsidade à apresentação do problema e não apenas à sua solução. Havendo, então, dois tipos de falsos problemas: os inexistentes – como as questões do não ser, da desordem e do possível – ou seja a negação daquilo que é; e os mal apresentados, que tratam as misturas de naturezas, dos mistos mal analisados (Deleuze, 1999, p. 8-14)

[4] As diferenças de grau são matéria e extensão; pressupõem espaço, de modo que é preciso realizar a divisão do misto espaço e duração (tempo). Um exemplo de misto a ser separado seria a representação corrente de tempo, que é penetrada pelo espaço, sendo, necessária para sua compreensão a cisão entre aquilo que é pura duração e pura extensão, para que se deixe de ver as diferenças de grau onde há diferenças de natureza.

Seminário Sistemático

VisitaPinacoteca2016-3PEQ

“Visões sobre a Estética”  

Adrienne Firmo

Seminário referente a diferentes abordagens do termo “estética” ao longo da história da filosofia, apresentado, no ano de 2014, para o grupo Museus / Patrimônio, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Os ensaios em estudo visavam a aproximação filosófica da matéria, sendo eles “De olhos vendados”, de Adauto Novaes, “Sombra e Luz em Platão”, de Gerard Lebrun, “Poética do pensamento”, de Benedito Nunes, e no texto introdutório de Hans-Georg Gadamer à “Origem da obra de arte”, de Martin Heidegger.

A estética foi observada a partir de sua consideração como objeto de interesse e análise, sob as mais diversas óticas teóricas e filosóficas, desde seu estabelecimento como vocábulo e disciplina, no século XVIII[1], a partir dos escritos de Alexander Gottlieb Baumgarten[2] e Immanuel Kant[3]. A escolha dos textos deveu-se a suas abordagens específicas e concentradas do tema, questionado em cada um deles em diferentes aspectos e nem sempre de maneira diretamente relacionada à esfera artística. Contudo, considerados em conjunto, permitiram a elaboração de um fundo problemático a partir do qual foi possível o debate de tópicos pertinentes ao universo artístico que interessam ao grupo de estudos.

Adauto Novaes trata exatamente da separação entre o sensível e o inteligível, que levou à hegemonia da razão sobre a sensibilidade, e da possibilidade da reunião de ambas as formas de apreensão do mundo elaborada pela fenomenologia. Gerard Lebrun examina, no próprio platonismo – germe clássico da bipartição sensível e inteligível, com valorização do segundo termo –, a experiência de chegada ao conhecimento como fundamentada primeiramente na percepção sensória, por meio de sua interpretação do mito da caverna narrado por Platão na República. Benedito Nunes propõe sua leitura da filosofia heideggeriana em que a relação com a obra de arte surge como forma de conhecimento. A apresentação de Hans-Georg Gadamer ao trabalho de Heidegger contribui no texto à elucidação de inúmeros pontos do pensamento heideggeriano.

O objetivo do seminário foi estabelecer relações entre as discussões sobre estética a partir do tema da separação entre as experiências sensível e inteligível – verificável na filosofia desde o mundo helênico e acentuada pelas especializações científicas no correr da história do saber humano –, as tentativas de recuperação de sua unidade – sobretudo pela hermenêutica heideggeriana e pela fenomenologia – e o universo da arte. Nele não se pretendeu adentrar a noção de estética, como pensada a partir de Kant ou Baumgarten, mas deter-se nas indagações mais próximas ao conceito dos antigos e outros pensadores que recuperaram a discussão sobre a separação entre sensível e inteligível, por acreditar que é este um dos problemas, ainda, relevantes ao se falar sobre estética como aquela percepção sensível sobre arte, não para discutir exatamente o que venha a ser sensível e inteligível, se existe ascendência de um sobre outro, mas sim para um mapeamento da discussão, que leve à compreensão e interpretação de questões, neste caso, do universo artístico contemporâneo.

Em primeiro lugar foi levantada a dicotomia clássica entre sensível e inteligível e a busca de sua restauração pela fenomenologia, a partir do texto de Novaes. Em seguida, discorreu-se a respeito dessas instâncias do conhecimento como experiências propedêuticas, entendidas como maiêuticas[4], e suas transformações no indivíduo, ao ser feita a leitura de Lebrun. Finalmente, pensou-se na interpretação e hermenêutica como princípios da experiência, a partir da primeira metade do texto de Nunes e da apresentação feita por Gadamer da obra heideggeriana.

 

Bibliografia

GADAMER, Hans-Georg. “Para introdução”, in HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte [tradução, comentário e notas de Laura de Borba Moosburguer]. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2007, p. 66-79 [Dissertação de mestrado defendida na Universidade Federal do Paraná, 2007].

LEBRUN, Gerard. “Sombra e luz em Platão”, in O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 21-30.

NOVAES, Adauto. “De olhos vendados”, in O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 9-20.

NUNES, Benedito. “Poética do pensamento”, in Artepensamento. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 389-409.

TALON-HUGON, Carole. L’esthétique. Paris: Presses Universitaires de France, 2008.

 

[1] Sobre a história e teorias da estética, ver: TALON-HUGON, Carole. L’esthétique. Paris: Presses Universitaires de France, 2008.

[2] Alexander Gottlieb Baumgarten propõe o substantivo em latim aesthetica como a ciência do mundo sensível relativa ao conhecimento de um objeto, em suas Meditações filosóficas, de 1935, e, em seguida, em alemão, die Äesthetik, em Aesthetica, de 1750.

[3] Conquanto as reflexões de Immanuel Kant, a respeito da particularidade do juízo estético, sejam avaliadas por estudiosos de sua obra como não debruçadas sobre a arte e o fazer artístico, é verificável a concordância quanto a identificar em Kant o ponto inicial para as considerações verdadeiramente filosóficas acerca da arte, além de sua inegável contribuição para o reconhecimento da estética como disciplina filosófica. Neste sentido é possível traçar um horizonte de interesse da estética, que se inicia com Baumgarten e Kant no século XVIII e culmina no sistema estético de Friedrich Hegel no século XIX.

[4] Maiêutica, do grego maieutike, significa o ato de parturejar, trazer à luz. Sócrates, filho de parteira, acreditava estar destinado a, como a mãe, trazer à luz, em seu caso, não indivíduos, mas ideias, assim, introduziu o termo na história do pensamento como o exercício de fazer nascer juízos e conceitos.